quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Álvaro de Campos

Óde Triunfal


À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica 
Tenho febre e escrevo. 
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, 
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. 

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! 
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 
Em fúria fora e dentro de mim, 
Por todos os meus nervos dissecados fora, 
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, 
De vos ouvir demasiadamente de perto, 
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 
De expressão de todas as minhas sensações, 
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! 

Análise
O título é bastante sugestivo do conteúdo e significado da ode. Assim, o nome/substantivo «ode», de origem grega, remete para o cântico laudatório de uma pessoa, instituição, ou acontecimento. No caso deste poema, significará um canto de exaltação da civilização moderna industrial. Por sua vez, o adjetivo «triunfal» vem hiperbolizar o significado do nome («ode»), conferindo ao texto uma sugestão de força e exagero. No conjunto, o título traduz uma sensação de triunfo e de monumentalidade, visto que sugere algo de grandioso, quer a nível do conteúdo, quer da forma, o que está em conformidade com o tema da composição poética: o canto de exaltação da modernidade, do progresso, da técnica e dos seus excessos.
Opiário

É antes do ópio que a minha alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
Já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Analise
A nostalgia do além, sugerida pelas referências ao Oriente, traduzem a saturação ou a incapacidade de integração na civilização ocidental e remetem o sujeito poético para um estado de divagação alienante e um pessimismo desistente.
A evasão através do sonho, da evocação de espaços irreais ou inexistentes, é alternada pela procura de sensações novas e extremas que só a embriaguez do ópio pode proporcionar. No entanto, a falta de vontade e de energia interior parecem anular qualquer solução que este pudesse representar.
O tédio, o cansaço, a apatia, a descrença e a morbidez do sujeito poético traduzem a sua incapacidade de viver a vida, a inércia perante uma existência anuladora e monótona.
A náusea e a demissão da vida, que marcam a poesia decadentista, representam também o assumir de um fracasso pessoal.


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