Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de
rebanhos”, que só se importa em ver de forma objetiva e natural a realidade,
com a qual contacta a todo o momento. Daí o seu desejo de integração e de
comunhão com a natureza.
Caeiro é o poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua
constante renovação. E porque só existe a realidade, o tempo é a ausência de
tempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade
do tempo.
Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos, Caeiro dá especial importância
ao ato de ver, mas é sobretudo inteligência que discorre sobre as sensações,
num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Passeando a
observar o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a
harmonia pagã e primitiva da Natureza.
Poema
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
Análise
Este poema procura ensinar o leitor a “pensar em a pensar” o real.
Nos versos 5 e 6 “O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar” , o poeta diz-nos que o essencial é ter consciência de sentir(saber) sem raciocinar(pensar).
No 10º verso o poeta anti-metafórico contempla-nos com a metáfora “…Alma vestida” em que o eu poético lamenta o peso dos nossos ensinamentos e convicções que, tal como uma roupa vestida, protegem a nossa alma e impossibilitam a visão das coisas tal como elas o são. Caeiro dá ênfase à naturalidade e espontaneidade excluindo o excesso de reflexão e pensamento. A roupa e tudo o que nos cobre os olhos e os sentidos, são
imposições culturais, filosóficas e religiosas que nos impossibilitam de ver a realidade como ela é.
Não Tenho Pressa
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
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